quarta-feira, 19 de maio de 2021

Ração de combate do "Artilheiro".

   Pobre, patriota de lei, "Zé Feliciano" conhecido por "Artilheiro", nascido (na 2ª metade do século passado) de parto natural na horta da "Veiga" quando a mãe apanhava as couves para a sopa da noite. 
    A criatura que nasceu no meio dos repolhos, veio à luz da "candeia" dotado de um paiol de pólvora na barriga, com munições capaz de interpretar o reportório de uma filarmónica, ao ponto de a malta desconfiar que o musico tinha um calo no cu a servir de palheta de afinação. 
    Quando uma vez o Senhor Abade lhe ordenou para baixar o volume, respondeu; Saiba sua Eminência que o "peido" é um grito de liberdade de uma merda oprimida.
Era peregrino confesso da cerveja preta, que para além de temperar o presunto, dizia que limpava o estômago e as nódoas da camisa.
Veio também dotado com a variante de escarrador de craveira internacional. 
     Ria-se como um desalmado quando o Sr. Dr. (dos Tribunais) sacava do bolso o lencinho branco passado a ferro, que desdobrava lentamente enquanto puxava a alma dos pulmões que depositava no lenço num gorgolejo de sarjeta em dia de temporal. Competente, profundo, examinava a alma com a nostalgia de quem se despede do ultimo filho para o resto da vida, antes de a embrulhar e guardar delicadamente no bolso.
    Enfim, um principiante ao lado do "Artilheiro" capaz de acertar com o catarro a quinze metros na ponta do corno de uma cabra-sapadora.
  Sempre tive ciúmes daquele poder de síntese que miseravelmente nunca consegui. Sinto vergonha de nunca ter acertado na nuca do "Meia-leca", que na escola tinha lugar cativo tres fileiras à minha frente, o que levou a minha avó (que Deus tenha) a dizer; "Este desgraçado nunca dará nada na vida".
   Uma ocasião ao sair da escola, a malta juntou-se ao "Artilheiro" no regresso a casa. Ainda não tínhamos percorrido vinte metros, já o Xaquim (que só contava até vinte) gritava como um pardal faminto; "Ai Xexus, desde que xou Xaquim nunca ouvi nada axim".
     Em tempos de vacas magras e de ásperos recursos, o "Artilheiro improvisou uma retrete de madeira no socalco ao fundo da horta, de maneira que o artigo ali produzido caísse em cima do tojo que servia para adubar a terra.
     A retrete conhecida por "casinha" onde se fazia o "serviço" ou necessidades, que o Cancioneiro das Latrinas da Universidade de Coimbra descreveu; "Neste local solitário, onde a vergonha se acaba, todo o cobarde faz força, todo o valente se caga".
    Na casinha destacavam-se equipamentos e assessórios, no lugar do papel chamado higiénico que os mais finos designam de "toalhete", que era substituído nesta operação ecológica pela folha de videira que constituía artigo de luxo na época alta, depois substituído por folha de couve galega, ou quadradinhos de jornais e revistas que de tanto uso, até o "of-deguine ficava cardido de tanta tinta muitas vezes a cores.
   Um Sábado estava a malta a merendar empoleirada na figueira da "Tia Rosa", lá vai o "Artilheiro" à casinha ensaiar o reportório. Mal começou o concerto, o "Didon", um fulano de maus fígados saltou da figueira, arrancou uma estaca dos feijões, atou um punhado de urtigas, e foi passar-lha nos "tomates e traseiro". O efeito foi fulgurante, começou aos berros procurando esfregar a ferramenta no que tinha mais à mão sem descortinar a origem do ardor. Aquilo só visto, mas convenhamos que por nos estragar a merenda foi-lhe muito bem feito.
   A maior performance aconteceu além fronteiras num duelo Germano-Português, quando foi visitar o filho na Alemanha. Passava o tempo a passear no jardim da cidade, onde existia uma retrete igualzinha às nossas, com aquelas divisões abertas por cima e junto aos pés.
Um dia estava sentado no trono a fazer o serviço, quando entrou na casinha ao lado um latagão daqueles 3XL, vermelhusco que conhecia de vista ali do jardim, e reconheceu pelo restolho que fazia a bufar, a puxar e pigarrear.
    Era um verdadeiro alarve, que a paginas tantas não se conteve e soltou um sonoríssimo ruído corporal, e segundo e terceiro. O "Artilheiro" preparou as munições e pensou; O tipo precisa de resposta; Estava em causa o prestigio Nacional que exigia confrontação. Disparou-lhe tres tiros sucessivos de calibre superior aos do invasor. Este repetiu com sonoridade mais avantajada, ao que o"Artilheiro" ripostou por idêntico diapasão. E assim sucessivamente enquanto duraram as munições. 
     Os inimigos mantiveram o despique, ignorando as vitimas dos compartimentos ao lado, apanhados no fogo cruzado que ficaram em silencio entrincheirados durante o duelo que prosseguiu até o latagão  abandonar o campo de batalha.
    Preparado para abandonar a linha da frente, o "Artilheiro deu da caras com uma mulherona parecida com um Sargento Alemão que tinha a seu cargo a exploração das retretes. Com cara de poucos amigos apontou-lhe para os baixos; "Senhor, são cinco marcos (antes da União). Assim mesmo por um serviço em defesa da honra Nacional.
   "É com o "serviço" dos pobres que os ricos arranjam dinheiro para nos emprestar, rematou o "Artilheiro".
    E pronto; Agora, com músicos sem palheta nem calo no cu, resta-nos ouvir musica estrangeira. 
     Que saudades do "Xaquim" e do "Artilheiro".

Américo Pinto 3.