16/03/2015
Poderá o “Charlie Hebdo” ficar
chateado com o titulo de mau gosto, mas como é fruto do seu veneno e obra da
sua imaginação, terá de ter paciência como outros tiveram há 45 anos, no tempo
em que o seu antecessor “L’HEBDO Hara-Kiri” trilhava o sinuoso caminho das piadas,
tal como eu e o Faneca trilhávamos o caminho da catequese, para decorar a
ladainha de ave-marias-benzidas-a-seco à vergastada nas orelhas, que depois íamos
refrescar na água cristalina do rio que passava a escassos metros ali ao lado
do penitencial salão paroquial.
Uma pequena represa do tamanho de
meio campo de futebol, onde o Faneca exibia os seus dotes, em salto de parafuso
com botas, para mergulhar no rio antes de iniciar o percurso à deriva no
sentido da corrente, enquanto eu descalço iniciava o percurso ao repelo em
sentido contrário.
Ainda não tinha avançado meio
metro, já o Faneca passava por mim (tal como Deus o deu menos as botas) a
navegar em piloto automático, deitado de costas e braços cruzados ao peito em
postura de defunto, a deslisar suavemente tocado pela corrente do rio.
Quando intervalei para respirar,
dei pela falta do comodista-navegante, que só depois de uma longa, e minuciosa
pesquisa a pente fino pelas cachoeiras, fui encontrar dezenas de metros a
jusante, já ao leme em piloto manual, a dar as últimas quase afogado, trancado dentro
do cubo do moinho. Percebi então, que a nadar contra a corrente não ia a lado
nenhum, a não ser para manter a forma física, e a mente em alerta vermelho de
olho focado na tentação das facilidades, para evitar a morte por afogamento trancado
no cubo dos moinhos.
Os habituados nestas “nadanças” contra a corrente, dificilmente se deixam
levar pelas enxurradas de hipocrisia do amontoado de figurantes invisíveis na cena,
que na mão direita empunham o cartaz “JE SUIS CHARLIE”, e na esquerda “SOU DO
BLENENSES”, com a mesma dor e compaixão, ou seja nenhuma, a não ser a
tradicional “Maria-vai-com-as-outras”,
um dia indignados com a desgraça do “CHARLIE”, e no dia seguinte com a falta de
sapatos de marca para meter nos pés dos filhos, marimbando-se copiosamente nos
enteados que por esse mundo fora morrem à mingua, que nem pés tem para meter
nos sapatos.
Há muito que andava com a pulga
atrás-da-orelha; Hoje tenho a certeza que não sendo “CHARLIE” nem hipócrita,
pode ser-se feliz de ainda ter pés para meter nos sapatos de marca branca.
Os “CHARLOS” que tem necessidade
de enxovalhar Deus para mostrar que são gente, são iguais à outra gente que em
nome de Deus mata gente. E nós que também somos gente, filhos de Deus abandonados
ao Deus-dará no meio da gente que nem liberdade nos dá de viver em paz como
gente.
Um bom cartunista pode ironizar
com coisas sérias sem necessidade de ofender os seguidores de outras religiões.
Um cartum com Deus a chorar, tem graça e não ofende ninguém, mas se for
legendado, (“c’est triste d’etre aime par des cons”(sic) (é
triste ser amado por estúpidos),
ofende toda uma comunidade religiosa. Terroristas, assassinos, pedófilos,
Fanecas e ladrões, vigaristas e cabrões há-os em todos os credos e religiões.
Quem gosta de escrever nos
limites do risco e no fio da navalha, não pode permitir-se de dizer o que pensa
sem antes pensar mil vezes naquilo que diz, para não passar o resto da vida
arrependido daquilo que disse sem ter pensado melhor. Diz-se, que escrever com
algum humor é como fazer um discurso improvisado: Dá imenso trabalho!
O Papa Francisco, com a simplicidade que o caracteriza, a inteligência
e subtileza que só os sábios possuem, simplificou sabiamente a situação do “CHARLIE”
com a frase: “se maltratares a minha mãe,
levas um murro na cara”. Ou seja “o
respeitinho cabe em todo o lugar, e quem não se sente não é filho de boa
gente”.
Para o Charlie Hebdo, os filhos
de boa gente com sentimentos, não lhe mereçam respeito. Mesmo antes de o ser, o
Charlie Hebdo já era useiro-e-vezeiro neste tipo de provocações.
Na idade da adolescência, quando nos apaixonamos por “dá-cá-aquela-palha” e nos zangamos com o
mundo inteiro, ficamos sempre marcados por recordações que nos acompanham para o
resto da vida.
O “Charlie Hebdo”, reencarnado das cinzas do “Hara-Kiri” é a recordação
que não gostaria de guardar no baú das minhas memórias. A recordação que
gostaria de guardar, desapareceu no fatídico dia 01 de Novembro de 1970, no
incendio da discoteca “Cinq-Sept”, em Saint-Laurent-du-Pont, que ceifou a vida
a 146 jovens da minha idade.
Na altura a generalidade da
imprensa Francesa referia-se ao acontecimento: “Bal tragique a Saint-Laorant-du-Pont: 146 morts”, (Baile trágico
a Saint-Laurant-do-Pont: 146 mortos).
Na semana seguinte morreu o
General, Charles de Gaulle. Na publicação de 16 de Novembro, o Hara-Kiri para ironizar
com a morte do General, chamou para a capa do jornal a macabra tragedia da
semana anterior, “Bal tragique a
Colombey: 1 mort”, (Baile trágico a Colombey: 1 morto). A França indignada
proibiu o Hara-Kiri. Este para contornar a situação ressuscitou das cinzas com
o nome do atual “CHARLIE HEBDO”. Andou pelas ruas da amargura até encerrar em
1982, situação que manteve durante dez anos.
Graças a Deus, nem todos são FANECAS
a deslizar na corrente do rio para juntar-se ao meio mundo de “CHARLIE(s)” que reivindicam
este tipo de liberdade de expressão. Há muito para satirizar com situações mais
terrenas, provocadas pela casta privilegiada de governantes caseiros e
estrangeiros, verdadeiros desastre ecológico, mais perigosos que raposas dentro
de capoeira, que não nos merecem a mínima réstia de consideração. Deixemos os Deuses
em paz ao cuidado dos seus fiéis seguidores.
Nós, Cristãos não podemos
esquecer que ainda somos como pequenos animais recém-domesticados. Não podemos
esquecer que durante milénios tratamos mal as nossas mulheres. Pessoas de
outras religiões eram mal vistas na nossa sociedade. As portas fechavam-se a
casamentos com outras culturas. Não faz assim tanto tempo, que nós cristãos,
escravizávamos, torturávamos, chacinávamos e levávamos muitos inocentes às
fogueiras cristãs. Fomos obrigados a civilizar-nos à marretada, da mesma forma
que acontecerá com outras religiões. Um dia alguém virá dizer-lhe que o tempo
das cavernas terminou e que nada justifica tão bárbaros comportamentos.
O maior dos pecados cristãos, é a vaidade de nos considerarmos os pais
do mundo, quando na realidade, nem a certeza temos de ser os pais de ninguém.
Devemos ficar sempre de olho
atento nas democracias ou religiões que passam o ano todo a oferecer-nos céu
pouco nublado ou limpo. São preferíveis, as de quatro estações que oferecem
calor e frio, chuva e sol, vento forte e até tempestades, para nos tranquilizar
que não vivemos em ditaduras assolapadas.
A fatiota dos aleijados da
espinha dorsal, é o habitual look dos Fanecas, mortos vivos empenados da coluna
vertebral, que como enguias no rio, vão oscilando na vida segundo a
oportunidade para recorrer à mendicidade: “paz
às suas almas”. Quando a corrente da vida vencer os usufrutuários da
verticalidade, que importa? É preferível passar à história a nadar contra a
corrente, que passar a vida de gatas a entupir os cubos dos Moinhos, e a servir
de burro de carga, lambuzam-te da farinha no fundo do balde da maquia do moleiro.
Não: “JE NE SUIS PAS CHARLIE”.