quarta-feira, 8 de junho de 2016

Cuidem-se, os Santos Populares


          Com maior ou menor convicção, já todos nos perguntamos onde é que isto vai parar. Para muitos vai parar longe, para outros já foi longe demais. S. Marcelo, mais popular que os santos da concorrência, (incluindo o António protetor dos animais), não tem dias de festa marcada. O ano todo é de foguetada, de desfiles a dar pelas barbas aos Bairros da Bica e de Alfama, com o pagode a seguir a rusga apanhando as canas, à procura da doçura do mel antes lamber as amarguras do fel a das promessas que nunca mais saem do papel.
          Sabíamos de ginjeira que S. Marcelo não fazia milagres. Mesmo não sendo daltónico, sua santidade acha que preto e branco são iguais, permitindo assim mamar nas tetas todas, dando razão ao padrinho-Coelho que ao batiza-lo de “cata-vento” acertou na muche que nem Robim dos Bosques no tiro-ao-arco.
          Poderemos (talvez) atribuir ao Santo, o milagre de ainda não ter morrido afogado na praia do Guincho ou envenenado nos terminais do saneamento público alfacinha do Rio Tejo, quando no célebre mergulho de campanha eleitoral lhe terão avariado os ponteiros, transformando o mergulhador em comentador, e depois em S. Marcelo dos aeroportos que aparece por todo o lado mais a miúde que a Sª do Caravággio.
          É portanto de presumir que desta santidade ninguém levará nada. Cuide-se o António com as frequentes variações da meteorologia e da direção dos ventos. O “cata” usará toda a devoção para seguir o vento que passa protegendo antes de tudo a vaidade dos seus botões e a popularidade do seu umbigo.
          O António, esculpido do mesmo pau, sobejamente conhecido pela lealdade a Seguro que normalmente deveria morrer de velho, mas que viu esfumar-se-lhe a alma e o futuro político na flor da mocidade.
          Dizem os entendidos que o António, intruso no 13º Governo da Republica é mais perigoso que seu antecessor, recluso 44 de Évora que delirava sozinho. O António, entusiasmado pelos “compagnons de route” que lhe conferem uma lata ainda mais descarada que a do seu antecessor, sem pingo de vergonha que até obrigou o inquilino de Belém a considerá-lo de “otimista irritante”, mesmo se em tempos idos foi seu docente e lhe atribuiu (sem saber ler e escrever) a nota de melhor aluno, que pelos vistos não quer repetir neste novo “período escolar”.
          Considerações e irritações proferidas no lançamento do recauchutado “Simplex”, onde o “bom aluno” ofereceu uma marionete transformada em vaca voadora à anfitriã do evento, que perante a plateia (do estábulo) repleta de “Boys e Vacas” ficaram todos alucinados de ver a vaca voar com o futuro deste País.
          “Simplex” generoso, que tão bondosamente vai “simplexar” a vida da gente, pegando a gente pela mãozinha para preencher a folha do IRS, e assim poder limpar a gente do resto dos pozinhos que ainda ficaram, para que a gente fique pobrezinha, limpinha mas honradinha.
          E eu, que desgraçadamente sou “pobrinho” não vou usufruir de tanta generosidade, depois de uma vida inteira a contribuir com língua de três palmos para o bem comum, preenchendo as ditas cujas, que para além dos “pozinhos” também me levaram a testosterona e a vontade daí adjacente, em troca das queixas e lamúrias que todos os santos-dias tenho de ouvir e suportar lá em casa. Finalmente com o passar do tempo consegue-se entender melhor aqueles nacos de relíquias da sabedoria popular. “Quem faz bem ao comum, não faz bem nenhum!”
          Abençoada geringonça que tantas nos têm contemplado. Pela calada da noite à luz da EDP, contemplou a malta com mais seis cêntimos de imposto na gasolina, para mais tarde a contemplar com a baixa de um, ao mesmo tempo que as gasolineiras vizinhas baixavam três, transformando a baixa de um no aumento de dois para acrescentar ao peteiro dos seis que já lá moravam. E lá vão oito.
          Quem no seu perfeito juízo vai investir mais um cêntimo num país em queda constante no investimento. No crescimento. Nas exportações por não ter bens para vender. Nas importações por não ter dinheiro para comprar. Que em meio ano destrói 70 mil postos de trabalho. Onde uns só querem trabalhar 35 horas, outros tem que trabalhar 40, outros gostariam de trabalhar 50 e não podem trabalhar nenhuma. Outros que tanto pouparam durante gerações para conseguir fazer três casinhas e agora com o IMI progressivo vão tem de vender a terceira para pagar o IMI das outras duas. Onde as pensões são de miséria e o governo faz um violento esbulho de 1400 milhões à Segurança Social para financiar a reabilitação urbana em Lisboa. Onde se fecham escolas para abrir Bordeis. Onde se fecham Hospitais para financiar arraiais. Onde os idosos morrem abandonados. Onde 30% das crianças passam necessidades. Onde se dificulta a produção do repolho e facilita a produção da canábis. Onde é prioritário trocar o cartão de cidadão pela carteira de cidadania. Onde aos 16 o Manuel se pode transformar na Maria. Onde se põe a mais velhinha profissão do mundo a pagar IRC para alimentar a Geringonça & Companhia. É isto que incentiva a poupança e o investimento neste País?
          Não é portanto de estranhar que a seguir aos 14000 mil milhões que passaram a fronteira a salto nos últimos quatro anos, outros tantos tenham já passagem paga de ida (sem volta) para viajar nos próximos quatro.
          Por este andar, acabaremos todos a trabalhar para a geringonça, recordando os países da mesma doutrina que põe cinquenta operários a descascar um pinheiro (para criar emprego), dividindo depois um salario mínimo por todos no final do mês. Ou seja 10€ mensais divididos em 30 cêntimos à jorna, e “vivóvelho”.
          Pensando bem, só um tolinho-da-cabeça sem dois dedinhos de testa deixará que o bicho lhe pique o milho que ainda tem no canastro. É portanto uma “Lapalissada” concluir que não havendo milho não haverá pão, e que acabaremos todos a dançar na eira descalços com as palhas à cinta de flecha em punho a cantar o “Tumbalalá” ao Chefe Bruxo da Tribo.
          Estas uniões de fato (e gravata) por conveniência, entre mergulhadores de salto-em-parafuso-com-botas e capoeiristas-descalços, nunca darão certo. Quando um dos nubentes vira costas é logo atraiçoado pelo outro acabando sempre o dia à cornada.
          Faz recordar-me as “Ratas-de-Sacristia” quando se encontravam à entrada da missa do domingo a acotovelar as filhas. “Chama-lhe filha, antes que a filha dela te chame”.
          Peitudas e bondosas, faziam as delícias dos veteranos (& Companhia) que comentavam: “Olha que par de mamas, Belino”. “E para que servem as mamas?” Respondia Belino: “Para manter o homem à nascença e para depois continuar a mante-lo vivo, seu burro!”
          Se a presidência parece uma turné de música pimba, a governação não vai por melhor caminho. Isto é mesmo uma geringonça ensarilhada que já ninguém encontra a ponta por onde lhe pegar.
          Depois acusam-me de ver sempre o copo meio vazio. Porem tudo mudou, agora já nem o copo consigo ver. E se fosse corajoso até diria que esta é a conjuntura política mais manhosa e assustadora que vivo pós o 25 de Abril.
          Tenho que dar o braço a torcer. Depois de tanto malhar em “Cavaco e Coelho” por estar convencido que nada de pior nos poderia acontecer, reconheço ter-me enganado redondamente, comparado com o forrobodó que vejo hoje até me apetece citar o velho ditado popular. “Atrás de mim virá, quem de mim bom Fará”.
          E pronto: enquanto continuamos apeados, teremos sempre vacas voadoras ao almoço, afetividade e música celestial ao jantar, com os protagonistas a cantar a Grândola Vila Morena como o Zé Cabra canta os tomates do padre Inácio, nesta “desgraçada” Republica Portuguesa cada vez mais desprovida de pão e vinho sobre a mesa.
          Finalmente, eles fazem milagres! Já temos as vacas voadoras do António. Faltam os porcos a andar de bicicleta do Marcelo! Se a razão tem sempre razão, espero que desta vez a razão não tenha razão tarde demais!

domingo, 24 de abril de 2016

O, Wing-Chun, do Legionário


          Já poucos se lembravam do “Mandarim” quando regressou à terra natal. Agora conhecido por “Legionário”, nome que conquistou depois de alistar-se nas forças especiais da Legião Estrangeira Francesa para combater na guerra da Indochina (atual Vietnam do Norte, Camboja e Vietnam do Sul) ao lado das Forças Armadas Francesas.
         Homem educado, de fino trato, admirado de todos, de escassas mas de pesadas palavras, alheio aos disque-se-disse e aos cochichos de lareira. Lobo solitário portanto, que caçava apenas para suprir as mais prementes necessidades indispensáveis à sobrevivência.
          Um final de tarde como tantas outras, estávamos velhos e novos reunidos (matilha incluída) no largo da encruzilhada a ouvir as notícias trazidas pelo companheiro da “Calina”, um alfacinha-de-gema com cabedal valente, para além de outros valentes cabedais que tinha na conta-corrente. Conhecido por “amigo-da-onça”, (não pelas corriqueiras e habituais razões mas) porque enrolava cigarros com tabaco de onça-preta.
          Quando enrolava um cigarro a onça caiu-lhe ao chão. O Legionário com estranha cortesia em uso naqueles tempos, apanhou a onça que entregou ao visitante. Este, ao ver tão obediente disponibilidade voltou a deixar cair a onça, e sem pingo de cortesia ordenou ao Legionário para voltar a apanhá-la.
          Até ali tudo bem. Todos presenciamos a cena até ao momento que o Legionário se baixou para fazer o frete. A partir daí foi com se a fita partisse ao meio, provocando uma branca na malta, que só depois de a branca ir à vida voltamos a ver o “amigo-da-onça” (preta) a cores, sentado dentro da pia de pedra que servia de bebedouro das galinhas. A Guarda veio, tomou conta da ocorrência sem testemunhas, apenas com as declarações do Ti-Bento que afirmava ter visto naquele preciso momento duas galinhas a depenicar milho no chão. Ora não havendo milho por ali, a investigação concluiu que as galinhas depenicavam os restos mortais do sorriso do “amigo-da-onça”, que lhe tinham saltado da dentição para o chão, e dali para o papo das poedeiras.
          A curiosidade era muita, mas o Legionário não descosia o segredo. Só passado algum tempo quando a malta regressava da escola, depois de um desaguisado-sério com os repetentes da 4ª do lugar vizinho, roupa esfarrapada, arranhões e nódoas negras na cara e afins, para além da desgraça da minha samarra alentejana novinha em folha ter deixado o pelo da gola no campo de batalha. Só então o Legionário pediu ao Tio-Bento para nos reagrupar que queria ter uma conversa connosco no seu quinteiro.
          Mandou-nos sentar à “birmanesa” e começou por pedir-nos para jurar de nunca agredir ninguém, de nunca frequentar locais propícios a desacatos, de só se defender das agressões depois de esgotadas todas as soluções, e só em risco de vida tentar defender-se de armas brancas acrescentando: “mais vale um cobarde sem carteira vivo, que um herói com carteira morto”.
          Regras a mais para os princípios de quem tinha sede da desforra com os repetentes da 4ª já no dia seguinte. Metade da malta desistiu das aulas ao primeiro dia, preferindo passar o resto da vida a comer “pela medida de Castro” que jurar amor eterno a tão apertadas restrições.
          Na aula seguinte o Legionário desenhou um boneco numa pequena lousa com caixilho de madeira, marcou um traço vertical no centro do boneco e outro horizontal à altura dos ombros. “Esta é a linha central que devereis defender. Rosto, garganta, plexo solar, testículos, joelhos, canelas e tornozelos. A vossa linha central é a do vosso adversário que devereis atacar. Ignorai as partes periféricas do corpo. O mais rápido para chegar de um ponto ao outro é uma linha reta, razão pela qual a vossa posição de defesa será sempre em frente à linha central do agressor e à distância do vosso braço-ponte que serve de radar para captar tudo que tente passar por ali. Há que respeitar as regras mantendo-se sempre descontraído economizando os movimentos. Caminho livre – seguir em frente. Caminho ocupado – manter-se colado. O agressor força – deixar passar. O agressor recua – seguir e manter-se colado”.
          “O wing-chun não bloqueia para atacar, ao defender ataca em simultâneo. Não tem graduações nem regras, sendo uma prática de defesa pessoal, a única regra é imobilizar o agressor. Se demorar mais de cinco segundos para despachar o adversário há 90% de possibilidades de perder a batalha.”
          Tudo começou pelo “Siu-Lin-Tao”, um género de coreografia com 108 movimentos que só depois de percebe-los seguiu o “Chi-São” treinado com um colega para aprender a sensibilidade e os reflexos tácteis. Mais tarde veio o “Chan-Kiu” para aprender a olhar o agressor de ângulos diferentes e para sincronizar os membros superiores com os inferiores. E só muito mais tarde veio o “Biu-Jee” para aprender a concentrar toda a energia numa só batida usando mãos e cotovelos com o corpo em rotação.
          Aqui chegados a procissão ainda não saíra do adro. O legionário foi cortar a ponta de um carvalho que enterrou no chão ao lado do canastro, deixando de fora a altura de um homem com dois galhos do tamanho do antebraço ao nível dos ombros, outro galho ao nível do plexo solar, e mais um a servir de perna como quem vai chutar. Batizado de “Parceiro” servia como corretor dos ângulos e das técnicas aprendidas anteriormente. A prática constante desenvolvia força, energia e potência dos braços punhos e pernas.
          Quando chegou a fase do bastão e das armas brancas já só restávamos dois, e também tinha chegado a hora de fazer-se à vida. Na altura não era uso ver filhos e netos de barba rija a viver à pala dos avós e dos pais. Não éramos piegas nem precisávamos do acordo de Schengen (que andava a monte), nem dos voos low cost e do TGV à porta. Umas pedreiras em cabedal-de-boi eram suficientes para ir a pé à procura de uma vida mais digna, ao contrário de muitos mamões, que dificilmente encontrarão uma vidinha melhor do que aquela que tem.
          Passados alguns anos chegou a notícia que o Legionário tinha acertado contas com o Criador. Paz à sua alma e obrigado pelas sábias recomendações que sempre nos evitaram de por em prática a teoria da sua arte.
          Recentemente na companhia de um velho amigo (que nunca entendeu nada do o “Siu Lin Tao”) visitamos o quinteiro do Legionário, agora povoado de silvas que invadem as imediações. Com algum sacrifício conseguimos abrir caminho até ao canastro. Imponente, em posição de “Jum-Sau”, o “Parceiro” com dois palmos de corrente do cão (corroída pelo tempo) pendurada no braço direito, no esquerdo baloiçava o pedaço da asa de uma cesta de madeira. Em harmonia como quem dança a ultima valsa, reatamos a sessão de treino outrora interrompida.
          Terminada a sessão pareceu-me ouvir: “quarenta anos de longa espera, para que este “Badameco” me venha acariciar como uma velha prostituta”. Fiquei ofendido. A valsa terminou. Pendurei a casaca no trambelho da cancela, voltei para acertar as contas com o “ Parceiro”. Um duplo Bong-Sau / Gan-Sau, reforçado de Junk-Tekj au nível da virilha, foram suficientes para desenterrar o Parceiro do chão. Com falta de treino para a queda foi bater na mó do canastro e partiu um braço. Com falta de treino para o ataque parti um dedo, pedi ao amigo carpinteiro para enterrar o “Parceiro “e para curar-lhe o braço com cola branca da madeira. Pedi à mulher para me encanar o dedo com duas caninhas. Os combalidos foram para convalescença com a promessa de voltar à carga antes que a história seja definitivamente contada. Isto não vai ficar assim…