terça-feira, 19 de junho de 2012

Os telhados do Zé.

  18/06/2012.
                Dia de folga doméstica, sexta-feira treze, dez da noite de inverno carrancudo, o Palácio de Cristal estava iluminado. Entrei, decorria um concerto com milhares de fãs a aplaudir o seu ídolo. Não era a minha música. Saí, rua acima, um frio de rachar, o som das guitarras atraiu-me para dentro da taberna onde se cantava o fado. Ao fundo, uma mesa de dimensões apostólicas, iluminada por dois castiçais, sentei-me na esquina do lado da parede de xisto. O estampado na toalha de linho cru, desaconselhava o consumo de copinhos de leite. Mandei vir uma canequinha de quartilho para aquecer o colete, e algo de consistente para lhe fazer companhia.
Estava-se bem. De súbito, abriram-se as portas, e com a aragem gélida da rua entraram mais doze, para completar a mesa dos treze. Enquanto a artista de serviço interpretava, “numa casa portuguesa com certeza”, já não faltava pão e vinho sobre a mesa do Senhor. Aqueles “discípulos” não me eram estranhos. No centro da mesa, “O Senhor” cumprimentou-me pelo nome, acrescentando que um dos seus maiores prazer, é quando o neto lhe entra pela porta dentro, e o jornal “A Terra Minhota” destaca uma cronica minha. Pequei ao desconfiar do elogio, só quando o “Messias“ pagou a conta da primeira “rodada”, percebi que o elogio era sincero, sem terceiras intenções. Pelos vistos, “apanharam o pião à unha” para sair do concerto e “abrir as ideias” com as “metade-caras”, enquanto as “caras-metade” abriam o coração ao seu ídolo. Depois de aviadas algumas canecas, o tema engrenou na política rafeira, cujo veneno da conversa era de muitos furos acima da estricnina.
É de todos conhecido que o Lusitano gosta muito de discutir, principalmente quando o tema é farfalhudo e polémico, como acontece com a política e o futebol, embora tudo na vida seja política, incluindo o futebol. A polémica começou a sério com o tema, de o colonizador ser agora colonizado pelos amigos Angolanos, com a jovem multimilionária “Isabel dos Santos” à cabeça, a fazer de governador Paulo Dias de Navais, a semear os milhões de papá, em bancos, na zon, telecomunicações, petróleo, energia e nos média, para além de os seus conterrâneos ocuparem 30% do mercado nas lojas de luxo da “Colonia Portugal ”, nos produtos do costume, tal como relógios de ouro, da Patek Philips e Rolex, pulseiras da Cristian Dior, roupas da Hermenegildo Zegna e ainda casacos de “pelica”, relegando os colonos para o seu “habitat natural” das lojinhas chinesas e para a feira da ladra.
Quando a noite já ia de barbas, a conversa deu á costa, e encalhou na Praça Deu-La-Deu em Monção, onde as más-línguas afirmam que o chafariz da Danaide foi desativado e transformado num bebedouro de apoio logístico au “novo estábulo”, para não salpicar as orelhas dos burros ao afocinhar na pia.  
“Bartolomeu”, no lado esquerdo da mesa, começou a tabular, que só o lendário Zé dos Telhados seria capaz de por mão nisto. Eu que estava no lugar de “Simão” a espernear como uma mosca caída num prato de caldo Knorr, a tentar fugir das fofoquices como o diabo foge da cruz, fui obrigado a puxar dos galões, e esclarecer que o Zé dos Telhados não foi uma lenda. Nasceu em Penafiel no ano de 1818, com o nome de José Teixeira da Silva, morreu em 1875, foi apanhado quando fugia para o Brasil, e ficou preso na Cadeia da Relação do Porto, com Camilo Castelo Branco, que o tornou famoso nas suas “Memorias do Cárcere”. Assim a talho de foice, o assunto ficou encerrado. Não sendo possível contar com o “Zé dos telhados”, começaram a contar os “telhados do Zé”, que dentro da Vila já ultrapassam as duas dúzias, alguns a funcionar como verdadeiros hibernáculos, com mais hibernantes de que visitantes, sem incluir as “tocas” que ramificam por todo o lado, onde “soi-disant” funcionam os serviços, com trezentos e tal funcionários, dos quais mais de metade são “cunhas” entretidas a cobrar receitas e a gasta-las em “salários-tacho” dos herdeiros do I M I, que nem com cinquenta novas reavaliações, consegue saciar-lhe o apetite.
O servente de mesa da “Primeira Ceia” desabafou, que enquanto o “soberano eleitorado da chupeta for treta, e maioritário a mamar na teta”, e não perceber que bater com a cabeça na parede dói, e que transformar burros de carga em cavalos de corrida é ainda mais doloroso, e que isto é meio caminho andado, para passar a vida a correr sem nunca ganhar uma corrida: tudo continuará assim, com o país a espelhar a nossa imagem, que precisa de urgentes retoques visuais para deixar de meter nojo por esse mundo fora. Concluiu que qualquer iniciado em administração, sabe que ao resolver o “cancro” das cunhas, resolve também o dos contratados, que vem fazer o trabalho dos vinculados que não “mexem palha”, e assim aliviar a carga da despesa em dois terços, e o cabedal do contribuinte em metade dos impostos, para poder beneficiar da qualidade de vida que merece. Depois do mês de Maria, agora o mês do Corpo de Deus e dos Santos Populares, rezemos pela alma do trio “da treta, teta, e da chupeta, para deixarem a (nossa) Terra em paz, “porque deles os Bem-aventurados pobres de Espirito será o Reino dos Céus”.
“Tadeu”, entre “Simão e Mateus”, estranhava o silêncio das oposições, a quem “Tomé” respondeu, que aquilo é tudo amor à primeira vista e farinha do mesmo saco, ao ponto de alguns, já participarem no tiro-ao-prato (de faca e garfo) nos jantares oficiais da Autarquia (e da nossa carteira), na qualidade de futuros representantes Municipais, para se familiarizarem com um tacho bem rapado e mal lavado, que continuarão a rapar depois dos próximos atos eleitorais. “ Fracas oposições, nunca serão fortes governações”.
“André”, argumentava com “Tiago”, que a Vila de Monção terá sido vítima de uma praga, ou de uma estratégia consertada para destruir os pequenos comerciantes. Com o desenrolar do tempo, fica claro que o primeiro assalto ao comércio tradicional, aconteceu com a autorização da implantação das grandes superfícies, num Concelho com população inferior a muitas freguesias do país. O segundo, terá sido ao decretar o estacionamento pago dentro da Vila, para “obrigar” os clientes a estacionar nos parques gratuitos dessas grandes superfícies. Seguindo-se a proibição da exposição dos produtos no exterior das lojas, onde nem o discreto fio dental, pode arejar no estendal, para libertar os passeios aos negócios escuros feitos às claras, enquanto os comerciantes trabalham na escuridão. Foi um terramoto que fustigou os comerciantes, com réplicas sucessivas de campanhas com descontos a 50% e 75% no início de cada mês, para enterrar os mais resistentes, e deixar o freguês à mercê das grandes superfícies, que depois de destruída a concorrência, irá pagar o “santo e a esmola envenenada”. Resta agora ao “Zé-povinho”, aplaudir o “povinho do Zé”, pela “cegueira ou pela rasteira” de terem secado a maior fonte de receitas que jorrava e refrescava a economia do nosso Concelho. Isto leva-nos a pecar, e ter maus pensamentos. Quem beneficiou com toda esta estratégia? “Muitas vezes o que parece é! “Quando as folhas mexem é porque o vento-lhe-dá! F..a-se!Por quem Deus nos manda avisar”! 
Eram indisfarçáveis as saudades do tempo em que, na partida ou no regresso do estrangeiro, não era possível seguir viagem, sem religiosamente fazer uma romaria pela Vila, para matar saudades e para purificar a alma, com a beleza do colorido dos produtos expostos na fachada das lojas, que pareciam de mãos dadas unidas numa só, com a viva atividade dos restaurantes e tabernas, o carismático vendedor de cautelas, as peixeiras de rua transformadas em banqueiras para compor o fraco dia de negócio, a indispensável fonte de informações do barbeiro, o velhinho e falecido cinema privado agora ressuscitado e reencarnado em elefante publico, o comboio, o aroma dos bolinhos de bacalhau, e o engraxador. Todos trabalhavam honestamente, ninguém vivia pendurado na desgraça alheia.
De uma Vila de excelência, resta agora uma Vila desmantelada, feia, em constante degradação, sem identidade, vítima de políticas erradas, e de políticos sem vida nem passado, acomodados no presente, sem estratégia, cuja visão de futuro não vai além da ponta do nariz, e dos serões, dos magustos e das excursões, e talvez, “das nomeações de dirigentes para continuar a falir as mais nobres instituições”, desta martirizada Vila fantasma, transformada num cemitério de “vampiros” sem profissão, que continuam a sugar e vampirizar a desgraçada população.
“Judas Iscariotes” que passou a noite a “engarrafar” e a fazer contas. Com sotaque abrasileirado, falou que os “caras” cá do Burgo, tem orçamentos anuais que rondam os trinta milhões de euros. Em catorze anos de “desfile”, terão despachado mais de “quatrocentos e vinte” (deles), que davam para construir uma Vila de raiz, incluindo umas muralhas novas encima das velhas. Tendo em conta que tudo está a cair de podre, e que no exterior das muralhas, são as “ vacas leiteiras” dos “pobres” construtores que constroem os lugares de estacionamento, vias de comunicação, passeios, abastecimento de água, iluminação pública, saneamento e rotundas; tudo leva a crer que a pipa da massa tem as aduelas rotas, ou esta malta se transformou numa trituradora da “grana” pública. Terminou a declamar “João Verde”, sempre atual: “Os campos! Vêde p´r´ahi / que grande desolação! / Ai de nós, quando é que eu vi / lar sem lume, eira sem pão” ----- “Ninguém de fúnebre estancia / Oh ninguém vos ouvirá / nem os velhos nem a infância / tudo partiu! Vede lá!” ----- “Ficou por´hi meio cento / de braços, ou pouco mais / burocratas sem alento / ou políticos … feudais”.
O telefone toca, é uma cara-metade a informar que o concerto acabou. Aproveitei o silêncio para saborear a “última”, e o último fado do Alfredo Marceneiro, «O Moinho desmantelado», antes de despedir-me dos onze e do “Senhor” que não transformou o precioso líquido em água, mas dispensou o Anjo da Guarda para nos acompanhar na viagem de regresso, cujo percurso fizemos sempre pela estrada do meio. Encantados pelo bom momento passado e pela tertúlia de civismo fiscalizador (oficioso com a língua toda), do poder político e seus aspirantes (oficiais sem língua nenhuma), chegamos a “bom-porto ”ao amanhecer do dia catorze com o sol a brilhar, galos a cantar, cães a ladrar, eu a ir deitar quando a cara-metade se ia levantar, ao som do repertório de sempre (chover no molhado) adormeci… “Silencio, que (ainda) se canta o fado”!

1 comentário:

Unknown disse...

Eí pá...
Para esses lados eu não ía, mas se a jantarola estivesse marcada para os lados de Monção e com um tertulia destas eu ia, aí se ia...
( a parte da desgraça do comércio a quem roubaram a alma é tal e qual o que se passa por aqui no baicho Minho, FAMALICÃO, Braga,Guimarães,Barcelos...é uma praga que não desiste, não há remédio que atenue enquanto não for o povo a ordenar, ou então enquanto não aparecer um novo "ZÉ DO TELHADO"