A tia Miquelina era uma
mulher-e-peras, com pedigree, bonita, jeitosa e de pouca ração. A certa altura
da vida viu que a coisa já nem com festinhas lá ia, decidiu queixar-se do
cabeça de casal que não cumpria com os serviços mínimos, e pelo andar da
carruagem a pouca ração caminhava a passos largos para o fim da ração “tout-court”.
Um final de dia, quando o luar
tomava conta da noite na encruzilhada do caminho no centro do lugar, onde os
cabeças de casal se reuniam depois do trabalho antes da janta para pôr a
conversa em dia, estava eu deitado numa cápea do telhado do palheiro do ti
Gostinho, a descansar de um dia cansativo, a memorizar a tabuada do três e a
debulhar um alqueire de milho com a avó para encher o fole que no dia seguinte
a moleira recolheria na varanda do dono do palheiro, local conhecido pelo, “sítio
dos foles da farinha”.
Sem rodeios e sem o requinte da linguagem das novas pedagogias, o
cabeça de casal “disparou” em jeito de confidência que a coisa já não levantava
mais, e que o Sr. Dr. dos Hospitais lhe tinha dado os sentidos pêsames pelos
falecidos pistões que estavam rotos, provocando o efeito de quem sopra num
balão furado que não consegue encher! Quando os colegas reforçaram os pêsames e
perguntaram que figura (agora) aquilo tinha, ele que era analfabeto mas sempre
de cabeça levantada com os olhos firmados nas estrelas do céu a ler as notícias
dos astros no firmamento, olhou discretamente para a perna adormecida que
baloiçava pendurada na cápea do palheiro, acrescentando: “Dou graças a Deus,
enquanto tiver língua e dedo”!
Passadas décadas, com a “doação”
da TAP ao abrigo da linguagem das novas pedagogias, fiquei a perceber que a “nave”
do cabeça de casal já não levantava porque os vasos cavernosos estavam rotos,
provocando o tal efeito de soprar num balão furado, como acontece com os lucros
da TAP que desaparecem pelo buraco da consorcia Brasileira de manutenção e
engenharia VEM. Por mais que a gente lhe sopre, a nave dificilmente conseguirá levantar.
Quando pela primeira vez ouvi cantar
a mais emblemática das canções portuguesas Grândola Vila morena, percebi logo à
primeira que aquilo era mais um sonho e que o povo não ordenava coisa nenhuma.
Porém, estava longe de mim pensar, que para além de desordenados, também somos
um povo surdo por não querer ouvir, e cego por não querer ver a realidade que
nos rodeia.
Desde as primeiras horas pós o 25
de Abril que os políticos perceberam a desordem do povo, aproveitando-se para
transformar os partidos em brigadas de assalto ao património do estado,
instituindo um poderoso poder paralelo, deixando ao “povo libre” a liberdade de
pagar impostos e votar onde entender, sabendo que o resultado será sempre o de esticar
a língua os palmos que quiser, para continuar a lamber botas e as migalhas que
caem no chão. Bem-haja o cabeça de casal que deu à sua nobre língua a nobreza de
outras nobres lambidelas.
Não vou perder o meu rico tempo
a descrever os milhentos exemplos da ladroeira institucionalizada no País.
Basta olhar para a atual e anterior governação, das quais falaremos quando a procissão
sair do adro e recolher com o pálio dobrado, para perceber que singrar na vida com
dinheiro empresta(da)do é preciso ser governante ou já ter governado, de resto é conversa fiada e chover no molhado.
Entristece-me só de pensar que alguém
poderá acreditar que sou do tipo de paraquedistas que cai no deserto e começa
logo a gritar: “se há governo sou contra”. Nada disso, apenas me preocupa que o
amigo não perceba logo à primeira que a nossa situação não é comparável à do
copo meio cheio, mas sim à do copo praticamente vazio. De resto até sou um tipo
otimista quanto ao futuro, porque com a falta de liquidez que temos, esta ladroeira
será sol de pouca dura e água de instantânea fervura!
Há dias um “amigo” pintava um
trinta-e-um do caraças contra políticos que prometeram tanto, comeram tudo e
não deixaram nada. Perguntei ao “amigo” se o país das promessas em que vive é o
mesmo que o meu, porque nunca dei conta de nada.
Quando me prometiam uma casa de luxo, desconfiava que iria pagar duas,
e que nem dinheiro tinha para pagar a água da piscina. Quando me prometiam um
carro novo, desconfiava que iria pagar dois, e que nem dinheiro tinha para
pagar o seguro e gasolina de um. Quando me prometiam umas férias exóticas de
verão, desconfiava que não podia arredar o pé da soleira da porta, e que iria
passar o inverno debaixo da ponte. Quando me prometiam uma viagem de cruzeiro barata,
desconfiava que tinha de levar barbatanas para fugir a nado, evitando o
regresso carregado de panelas que davam para a feijoada inaugural da ponte
Vasco da Gama.
A Grândola Vila Morena é hoje música
celestial do “povo que mais ordena” a vida dos políticos agrupados em gangues
organizados. Se o povo soubesse dançar a música de Zeca Afonso, “prevenia antes
de remediar”.
A amnésia do povo é a maior inimiga
da prevenção. Lava-nos o cérebro, leva-nos a memória, impossibilita-nos de ver
as assimetrias de governos irmãos-gémeos que pegaram-de-estaca em 74, cuja semente
daninha continua a contaminar toda a sementeira.
O exemplo de um povo distraído, é
o de só ter percebido quem era e por onde entrou o Gaspar das finanças, quando
este já tinha saído do governo e voltado para casa-mãe do FMI, depois de ter
delapidado o património do estado para beneficiar os amigos, em prejuízo do
povo que durante séculos tanto sofreu para o conseguir.
Antes de voltar à casa-mãe, o
Gaspar era como o champô dois em um, que depois dividiu um em dois, com a Luísa
nas finanças e o (taxinhas) Pires na economia. Este, um ilustre empresário na indústria
da cerveja, com remuneração mensal veiculada de vinte mil euros, que trocou pela
remuneração de cinco mil no governo e pelo patriótico espirito de missão para
missionar a época dos saldos e despachar o resto do stock armazenado.
Deitou mãos à obra e desceu do IRC para (a sua e outras) grandes
empresas, a fim de relançar a economia com a compra de mais alguns iates de
luxo, e na criação do emprego lá para os lados das Seicheles, Bahamas, ou Punta
Cana: onde Minhotos, Beirões e Algarvios desempregados vão ver por telepatia os
sonhos realizados.
O taxinhas vinha com a lição bem estudada.
Depois de relançar o emprego exótico e a economia naval, até conseguiu a proeza
de enganar o Neeleman e o “ferroviário” Barraqueiro com a venda da TAP “falida”,
cheia de buracos cavados desde o reinado do Guterres, sem que ninguém tenha
dado por nada. A não ser que o tempo das cavações tenha sido o tempo útil e necessário,
para que a noiva se apresentasse linda e asseada no dia do enlace da união de
fato, (e gravata) com a bênção de Deus e aplausos de toda a comunidade.
Isto chama-se lealdade para com
os amigos. “PSD, PS e CDS: hoje por ti e pelos meus, amanhã por mim e pelos
teus, e o povo que se f..a entre os seus”.
O nosso comportamento de lambe-botas perante esta roubalheira descarada,
faz lembrar-me o sujeito que caiu de um prédio de vinte andares, e enquanto
vinha a cair gritava: “por enquanto tudo
bem!”
Nós continuamos a cair e a soprar
no balão furado, mas: “por enquanto tudo bem”. “Enquanto tivermos língua e
dedo já nada nos mete medo”.
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