domingo, 24 de abril de 2016

O, Wing-Chun, do Legionário


          Já poucos se lembravam do “Mandarim” quando regressou à terra natal. Agora conhecido por “Legionário”, nome que conquistou depois de alistar-se nas forças especiais da Legião Estrangeira Francesa para combater na guerra da Indochina (atual Vietnam do Norte, Camboja e Vietnam do Sul) ao lado das Forças Armadas Francesas.
         Homem educado, de fino trato, admirado de todos, de escassas mas de pesadas palavras, alheio aos disque-se-disse e aos cochichos de lareira. Lobo solitário portanto, que caçava apenas para suprir as mais prementes necessidades indispensáveis à sobrevivência.
          Um final de tarde como tantas outras, estávamos velhos e novos reunidos (matilha incluída) no largo da encruzilhada a ouvir as notícias trazidas pelo companheiro da “Calina”, um alfacinha-de-gema com cabedal valente, para além de outros valentes cabedais que tinha na conta-corrente. Conhecido por “amigo-da-onça”, (não pelas corriqueiras e habituais razões mas) porque enrolava cigarros com tabaco de onça-preta.
          Quando enrolava um cigarro a onça caiu-lhe ao chão. O Legionário com estranha cortesia em uso naqueles tempos, apanhou a onça que entregou ao visitante. Este, ao ver tão obediente disponibilidade voltou a deixar cair a onça, e sem pingo de cortesia ordenou ao Legionário para voltar a apanhá-la.
          Até ali tudo bem. Todos presenciamos a cena até ao momento que o Legionário se baixou para fazer o frete. A partir daí foi com se a fita partisse ao meio, provocando uma branca na malta, que só depois de a branca ir à vida voltamos a ver o “amigo-da-onça” (preta) a cores, sentado dentro da pia de pedra que servia de bebedouro das galinhas. A Guarda veio, tomou conta da ocorrência sem testemunhas, apenas com as declarações do Ti-Bento que afirmava ter visto naquele preciso momento duas galinhas a depenicar milho no chão. Ora não havendo milho por ali, a investigação concluiu que as galinhas depenicavam os restos mortais do sorriso do “amigo-da-onça”, que lhe tinham saltado da dentição para o chão, e dali para o papo das poedeiras.
          A curiosidade era muita, mas o Legionário não descosia o segredo. Só passado algum tempo quando a malta regressava da escola, depois de um desaguisado-sério com os repetentes da 4ª do lugar vizinho, roupa esfarrapada, arranhões e nódoas negras na cara e afins, para além da desgraça da minha samarra alentejana novinha em folha ter deixado o pelo da gola no campo de batalha. Só então o Legionário pediu ao Tio-Bento para nos reagrupar que queria ter uma conversa connosco no seu quinteiro.
          Mandou-nos sentar à “birmanesa” e começou por pedir-nos para jurar de nunca agredir ninguém, de nunca frequentar locais propícios a desacatos, de só se defender das agressões depois de esgotadas todas as soluções, e só em risco de vida tentar defender-se de armas brancas acrescentando: “mais vale um cobarde sem carteira vivo, que um herói com carteira morto”.
          Regras a mais para os princípios de quem tinha sede da desforra com os repetentes da 4ª já no dia seguinte. Metade da malta desistiu das aulas ao primeiro dia, preferindo passar o resto da vida a comer “pela medida de Castro” que jurar amor eterno a tão apertadas restrições.
          Na aula seguinte o Legionário desenhou um boneco numa pequena lousa com caixilho de madeira, marcou um traço vertical no centro do boneco e outro horizontal à altura dos ombros. “Esta é a linha central que devereis defender. Rosto, garganta, plexo solar, testículos, joelhos, canelas e tornozelos. A vossa linha central é a do vosso adversário que devereis atacar. Ignorai as partes periféricas do corpo. O mais rápido para chegar de um ponto ao outro é uma linha reta, razão pela qual a vossa posição de defesa será sempre em frente à linha central do agressor e à distância do vosso braço-ponte que serve de radar para captar tudo que tente passar por ali. Há que respeitar as regras mantendo-se sempre descontraído economizando os movimentos. Caminho livre – seguir em frente. Caminho ocupado – manter-se colado. O agressor força – deixar passar. O agressor recua – seguir e manter-se colado”.
          “O wing-chun não bloqueia para atacar, ao defender ataca em simultâneo. Não tem graduações nem regras, sendo uma prática de defesa pessoal, a única regra é imobilizar o agressor. Se demorar mais de cinco segundos para despachar o adversário há 90% de possibilidades de perder a batalha.”
          Tudo começou pelo “Siu-Lin-Tao”, um género de coreografia com 108 movimentos que só depois de percebe-los seguiu o “Chi-São” treinado com um colega para aprender a sensibilidade e os reflexos tácteis. Mais tarde veio o “Chan-Kiu” para aprender a olhar o agressor de ângulos diferentes e para sincronizar os membros superiores com os inferiores. E só muito mais tarde veio o “Biu-Jee” para aprender a concentrar toda a energia numa só batida usando mãos e cotovelos com o corpo em rotação.
          Aqui chegados a procissão ainda não saíra do adro. O legionário foi cortar a ponta de um carvalho que enterrou no chão ao lado do canastro, deixando de fora a altura de um homem com dois galhos do tamanho do antebraço ao nível dos ombros, outro galho ao nível do plexo solar, e mais um a servir de perna como quem vai chutar. Batizado de “Parceiro” servia como corretor dos ângulos e das técnicas aprendidas anteriormente. A prática constante desenvolvia força, energia e potência dos braços punhos e pernas.
          Quando chegou a fase do bastão e das armas brancas já só restávamos dois, e também tinha chegado a hora de fazer-se à vida. Na altura não era uso ver filhos e netos de barba rija a viver à pala dos avós e dos pais. Não éramos piegas nem precisávamos do acordo de Schengen (que andava a monte), nem dos voos low cost e do TGV à porta. Umas pedreiras em cabedal-de-boi eram suficientes para ir a pé à procura de uma vida mais digna, ao contrário de muitos mamões, que dificilmente encontrarão uma vidinha melhor do que aquela que tem.
          Passados alguns anos chegou a notícia que o Legionário tinha acertado contas com o Criador. Paz à sua alma e obrigado pelas sábias recomendações que sempre nos evitaram de por em prática a teoria da sua arte.
          Recentemente na companhia de um velho amigo (que nunca entendeu nada do o “Siu Lin Tao”) visitamos o quinteiro do Legionário, agora povoado de silvas que invadem as imediações. Com algum sacrifício conseguimos abrir caminho até ao canastro. Imponente, em posição de “Jum-Sau”, o “Parceiro” com dois palmos de corrente do cão (corroída pelo tempo) pendurada no braço direito, no esquerdo baloiçava o pedaço da asa de uma cesta de madeira. Em harmonia como quem dança a ultima valsa, reatamos a sessão de treino outrora interrompida.
          Terminada a sessão pareceu-me ouvir: “quarenta anos de longa espera, para que este “Badameco” me venha acariciar como uma velha prostituta”. Fiquei ofendido. A valsa terminou. Pendurei a casaca no trambelho da cancela, voltei para acertar as contas com o “ Parceiro”. Um duplo Bong-Sau / Gan-Sau, reforçado de Junk-Tekj au nível da virilha, foram suficientes para desenterrar o Parceiro do chão. Com falta de treino para a queda foi bater na mó do canastro e partiu um braço. Com falta de treino para o ataque parti um dedo, pedi ao amigo carpinteiro para enterrar o “Parceiro “e para curar-lhe o braço com cola branca da madeira. Pedi à mulher para me encanar o dedo com duas caninhas. Os combalidos foram para convalescença com a promessa de voltar à carga antes que a história seja definitivamente contada. Isto não vai ficar assim…

domingo, 14 de fevereiro de 2016

“Quem me quer não quero eu”


          A situação dos refugiados recorda-me a frase do Sr. Avelino, (quem eu quero não me quer, quem me quer não quero eu), que regressou do Brasil mais teso que pau de galinheiro, mas satisfeito porque não emigrou para fazer fortuna mas para ganhar a senhoria que o arrancasse do lote de um Avelino qualquer.
          A frase era repetidamente badalada quando a conversa encalhava no seu enlace matrimonial. O “Sr.” tinha várias pretendentes ao cargo, mas quando se lhe apresentava uma das que, “quem me quer não quero eu”, fazia questão de fazer-lhe a prova do algodão que terminava sempre num berbicacho por culpa da falta de eletricidade e de água corrente, e ainda o bônus do fumo da lareira que levou a senhoria do Sr. Avelino a findar a vida solteiro com a frase e o saquinho do algodão pendurado na cabeceira da cama.
          Tal como o Sr. falecido, os refugiados também fizeram a prova do algodão ao nosso País, agora com eletricidade, água corrente e o bonos do ar climatizado, o nosso querido País continuaria solteiro com o triste resultado de o algodão ficar mais sujo que o chapéu de um pobre à moda antiga com tanta porcaria que anda por aí.
          Já nem se consegue realçar aquilo que temos de bom. Um dia um colega estrangeiro quis saber o nome de um prato típico da nossa gastronomia. Sugeri-lhe o bacalhau, (palavra que nunca conseguiu pronunciar corretamente) e para descrever-lhe o tipo do produto com a mão a ondular como quem vai a nadar, lá consegui transmitir-lhe que se tratava de um peixe. O colega foi comprar uma folha de “bacalau”, e só no dia seguinte quando vi que o homem deitava lume pela boca e que os pipos da cerveja não conseguiam apagar as lavaredas, me lembrei de ter esquecido de o alertar para por o (bacalau) a demolhar pelo menos durante um dia. Quando depois convidei o amigo para visitar o meu País, respondeu que nem com uma corporação de bombeiros à perna cá poria os pés.
          Outra vez, quando orgulhosamente mostrava Portugal no mapa a uma colega, (também estrangeira) respondeu-me que aquilo parecia um campo de futebol e que se o Eusébio marca-se um canto com mais força teria de comprar barbatanas para ir buscar a bola au mar, ou então teria de tirar o passaporte para ir busca-la à Espanha.
          Mas como não há duas-sem-três, depois de uma vida a virar frangos por aí, consegui encontrar um país com um povo igualzinho ao nosso. Nos dias de festa todos levavam uma galinha viva que atiravam aos crocodilos do pântano antes de, entusiasticamente começar a aplaudir e cantar. O chefe lá do sítio viu que não tínhamos galinha, ofereceu uma à minha colega, que menos bondosa com a bicharada, tratou de meter-lhe a cabeça debaixo da asa para a adormecer antes de enfia-la sorrateiramente na bolsa da velha mota (com dois selins de molas e matricula no guarda-lamas da frente) que tínhamos alugado para as nossas deslocações. Os crocodilos f….am-se, e nós saboreamos naquela noite o melhor arroz de cabidela que me lembre desde que sou gente.
          A única diferença entre lá e cá, é que isto é muito mais pantanoso, com a tradicional capoeira substituída pelo aviário para dar vasão a tanta procura, com tanta gente que prefere bater palmas à bicharada que saborear o delicioso arroz de cabidela.
          É por isso que os refugiados terão recusado a nossa bondosa hospitalidade, com receio de também serem confundidos com demais aves do mau agoiro para alimentar os predadores do pântano.
          O mundo é demasiado pequeno, e os refugiados sabem de ginjeira que não conseguimos sair do “lixo”, que somos tratados de piegas e de burros que puxam a carroça por tudo quanto é sítio no mundo. Eles sabem que os nossos governantes andam há meio século a mostrar o que valem, e que na verdade mostraram valer muito pouco. Apenas tem mostrado habilidade para convencer os amnésicos de sempre a procurar a côdea no ninho da casota do cão, sabendo de antemão que no lugar da côdea vão encontrar as pulgas que o Bobby lá esqueceu.
          Os refugiados dão um exemplo de coragem a esta espécie de gado manso que pasta toda a erva que lhe põe pela frente. Preferem morrer debaixo das bombas do (seu) Oriente, que naufragar no lodo do pântano do (nosso) Ocidente onde presente e futuro se afogam para sempre.
          Eles sabem que um País cheio de idosos a morrer abandonados, outros a morrer nos corredores (da morte) dos hospitais, reformados e crianças a passar fome, é um país que não serve de exemplo nem de asilo para ninguém, a não ser para os entusiastas seguidores dos crocodilos do pântano.
          Os refugiados sabem que esta malta tem estômago para tudo, até para caçar os €6000 de ajuda comunitária (por cada) para depois os abandonar à sua sorte.
          Quem no seu perfeito juízo escolhe um país onde a palavra de honra é letra morta? Um país onde quem perde eleições governa, e quem ganha é governado? Onde se transmite aos jovens os míseros exemplos que para conseguir na vida é preciso rasteirar os amigos e praticar trafulhices para lá chegar? Os nossos governantes são o rosto desse triste exemplo.
          Os refugiados sabem que esta gente já não consegue dissimular a falsidade com que geneticamente vive. Até sabem que já substituímos as comemorações do dia da liberdade e da implantação da república para comemorar os aniversários das saídas de políticos corruptos dos calabouços. Vergonhas que cavalgaram fronteiras e que destruíram a credibilidade do nosso País. Agora rezemos-lhe pela alma.
          “Um dia, num futuro que não vem longe, uma estranha frota de velhos navios corroídos pelo tempo e pelo uso parte do golfo de Bengala e ruma em direção à Europa. Traz a bordo um milhão de estropiados, os esfomeados dos “países subdesenvolvidos”, que, cansados da miséria, resolvem bater às portas do paraíso do homem branco”. Assim foi feita a apresentação do livro, “Mortos/Duzentos milhões/Todos nós”, de Jean Raspail, que parecendo uma obra de ficção é sobretudo uma obra de antecipação não exatamente científica.
          A velha frota de navios corroídos pelo tempo ainda não largou as amarras do golfe de Bengala. É do mar egeu que os velhos navios corroídos pelo tempo largaram amarras com centenas de milhares de famintos e estropiados que o paraíso do homem branco intencionalmente estropiou.
          Nada acontece ao acaso. A Europa fabricou famintos para legitimar a velha tradição terceiro-mundista de levar galinhas à festa para alimentar os predadores do pântano e para mostrar ao inobediente homem branco que é proibido apreciar o arroz de cabidela.
          Finalmente é preferível morrer solteiro, que viver o resto da vida entulhado na porcaria. Sábia frase do Sr. Avelino. “Quem eu quero não me quer, quem me quer não quero eu”.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A maldição das Troikas


         
          Sem tempo para respirar nem para colar os cacos deixados pela Troika dos ricos que tinha tudo e queria mais, eis o milagre das rosas com a Troika dos depenados que não tem nada e quer tudo, liderada por alguém que odeia quem ganha por “poucochinho”, adora quem perde por “muitochinho”, e acha que com “trafulhices e rasteiras” pode governar um país e um povo, medindo os dois pela bitola dos da sua laia.
          Pobre classe média. Mercadoria e escravatura dos tempos modernos, outra vez entalada entre pobres e ricos, a rezar pelo Marquês de Pombal, para a libertar do garrote asfixiante que a levará até ao cadafalso.
          Faz lembrar-me um casal com filhos, uns, ajudam os pais, outros, criticam tudo, dão lições de moral a toda a família como se deve gastar, sem saber por onde lhe pegar para ganhar e poder pagar, esbanjando tudo nos copos, até á destruição da família e do património familiar.
          Só quem anda distraído poderá ficar surpreendido com o espetáculo deprimente a que assistimos. Desta geração de políticos dificilmente se poderia esperar melhor. É só retorica de ataque e defesa, de resto nada mais.
          Sendo católico praticante de vez-enquanto, prometo ao Pai-do-Céu, neste momento miserável, um sermão e missa cantada com mais de dez padres, para agradecer o milagre de neste interregno de “Desgovernação”, nos libertar desta canga, e varrer de uma ponta à outra, com este saco de gatos assanhados, mandando-os alimentar-se ao caixote, lá onde eles e as agências de rating colocaram um dos Países mais tranquilos do mundo: LIXO.
          Há dias li o comentário de um leitor, relacionado com o artigo de um jornal Espanhol que dizia: ”Portugal, aquele País maravilhoso arrisca-se de ser governado por um político sem escrúpulos”. Lembrei-me logo de uma antiga fiada na freguesia vizinha, onde os anfitriões não acharam graça nenhuma de nos ver a querer contar a história da carochinha às suas mossas. O Meia Leca que por razões obvias só valia por metade, viu que a coisa ia descambar para o torto e que o “futuro” estava do outro lado, foi completar a meia dúzia dos cinco (rivais) e meio, obrigando-nos aos dois colegas a aguentar a parada, e decidir por unanimidade a prudente decisão de dar à sola em retirada apressada, iluminados pelo luar, que na fuga nos dava pelas costas a projetar a nossa sombra lá para a frente, com o meu colega a gritar: “ foge pá que esses gajos são uns gigantes do c…lho”.
           Já em terreno mais acolhedor, esperamos de escopeta apontada, carregada com cartuchos a cacos de pote. Os gigantes não vieram saborear os cacos. Porem, não consegui demover o colega, que fez questão de esperar o (cobarde) Meia Leca, para aquecer-lhe o pelo e atirá-lo em pelota à corga. Isto traduzido em linguagem-chá, é o mesmo que mimar o amigo com o mesmo miminho que nos deseja, atirando-o ao riacho tal como Deus o atirou ao mundo, antes acender uma fogueira com a roupa para espalhar o frio de uma espera tão longa e gelada.
          Será a maldição das Troikas? Nunca pensei chegar à idade que cheguei para ficar órfão de quase tudo aquilo que mais admirava. Na política vê-se por aí uns “Gringos” que casam por conveniência, cujo projeto de vida se limita à divisão do valor das prendas, sem outro horizonte nem outro futuro para os filhos e para o dia de amanhã.
          Outros, com postura mais bondosa e mais “cool”, saltam logo para uma “menage-a-trois” com quatro, a curtir mais uns momentos “bacanas no ripanço”, deixando o abastecimento da manjedoura ao critério da parolada, e o mundo nas mãos de Deus para que tenha mão nele já que é fruto da sua invenção.
          O mesmo é dizer, que votar neste tipo de gente é saltar no desconhecido, e certificar-como-bom aquilo que mais se deve condenar no comportamento de alguém ao longo da vida. Cobardia e deslealdade.
          Isto não vai pelo bom caminho e não se vislumbram abertas nem melhorias para os próximos tempos. Muita juventude pensa que a vida é um filme, e que um governo é um jardim-de-infância mas não é. Só deveria poder governar quem aprendeu algo na vida, e que em final de carreira colocasse aquilo que aprendeu ao serviço da comunidade. Que mais- valia traz um “rapazote”, que em casa precisa dos pais para lhe assoar o nariz, que em vez de pegar no pau do cabo da picareta para trabalhar, pega no pau da bandeira partidária para sentar-se à mesa do Orçamento do Estado a lambuzar à custa da miséria do povo? Depois queixamo-nos da desgraçada vida que temos.
          A ideia que a vida é um filme é o disparate de um povo que adora olhar para a lua através da sargeta dos esgotos onde vive. Em vez de limpar a porcaria que tem à volta, prefere sonhar que pode sair dali com azinhas ou que o Pai Natal e o governo os virão desenterrar.
          Sei que nós Portugueses, quando nascemos, nascemos sempre para ser grandes. Mas por esta ou por aquela razão, nunca passamos de pequeninos e a culpa nunca é nossa. A culpa é da crise, dos mercados, da Europa, do azar, do governo, da oposição, da falta de subsídios, das cunhas, dos políticos, dos capitalistas e dos chupistas, do sol e do frio ou até dos “c…ões do padre Inácio”. O mundo parece conjugar contra esta espécie predestinada a ter um lugar ao sol, mas que a p.ta da vida teima em deixar ao relento sem nunca percebermos pela alma de quem.
          Nunca mais entendemos, que o mais normal é que existe sempre alguém melhor do que nós, a querer mais do que aquilo que queremos, o que é para nós uma grande chatice. Quando era pequeno também queria ser padre, embora hoje reconheça que seria uma desgraça, com a agravante de agora não poder desabafar com o filtro do costume. Parece porém uma “lapalissada” dizer, que quem é bom chega sempre lá, e quem não o é fica com o que há. Resumindo e concluindo, cada um tem aquilo que merece.
           Se a vida fosse um filme e cada um fizesse o que lhe apetece, não existiriam homens do lixo, contínuos nas escolas, manicuras, cangalheiros, caixas de supermercado, estafetas, padeiros e porteiros, pedreiros nem carpinteiros. Enfim, tudo profissões com as quais ninguém sonha mas sem as quais não conseguimos viver. Muitos não terminaram a escola obrigatória. Mas são muito mais inteligentes, espertos e felizes, que toda essa carrada de amestrados que mete dó a arrastar penosamente a alma pelas ruas da amargura.
          O sonho só se da bem com os poetas. Quanto ao resto, é o acordar que importa para ver que há sempre alguém melhor, e não ter medo de fazer outra coisa, mesmo se isso implica fazer algo contra aquilo que estudamos, e receber um terço daquilo que sonhamos. Cada um é pago por aquilo que vale, na verdade quando começamos valemos muito pouco. Um canudo no bolso, só serve para iludir na política, de resto a vida não deixa de ser o que é.
          Diz o povo que sonhar não custa, razão pela qual não vale a pena sonhar. As empresas borrifam-se para os sonhos dos aspirantes a doutores. O povo deverá evitar problemas, borrifando-se para os aspirantes à mama da mesa do orçamento do estado. Há que fazer-lhe baixar a crista, vestir-lhe o fato de macaco e mandá-los trabalhar.
          Os jovens que admiro, são os que procuram trabalho, e que deixam essa coisa rara do emprego para os apaniguados e para paus mandados. Os jovens que trabalham são o nosso futuro. Depois de resolver a vidinha familiar colocarão ao serviço da comunidade o que aprenderam ao longo da vida. Os mamões são a nossa desgraça.
          Para os aspirantes à mama, e para os mamões no ativo, aconselho a teoria do meu colega. Aquecer-lhes o pelo e atirá-los à corga em pelota, e acender uma fogueira com a roupa para espalhar o frio que nos fazem passar.
          Acabou a era dos governos Caloteiros e presidentes Politiqueiros. Entrou a dos Sendeiros e dos Trauliteiros.
          Assim nunca mais é sábado, nem a Troika nos desampara a loja.

sábado, 3 de outubro de 2015

Os Políticos presos e os Oliveiras da Figueira

          
       Estamos f…dos. (“feridos”, para evitar maliciosas interpretações). Desde o tempo em que os presos políticos semeavam a admiração do povo, que andamos perdidos a calcorrear o caminho das pedras e da degradação política, até cair no abismo dos políticos presos, que semeiam vergonha nos calabouços deste povo pouco protegido contra as vigarices dos propagandistas do TinTin, transformados em “Oliveiras da Figueira” a vender guarda-chuvas no deserto tal como vendem a própria areia que atiram aos olhos do povo.
          Estava escrito que algum dia seriamos os primeiros. Mesmo se miseravelmente representados ao mais baixo nível na governação administrativa e ao mais alto nível na prisão preventiva com a nata do melhor que existe na ladroeira nacional. Não interessa saber qual dos governantes (se) governa melhor, se o aldrabão com mandato de legislatura, se o ladrão com mandado de captura.
          Com tanta propaganda não é portanto de admirar que a profissão de vigarista tenha ultrapassado em larga escala a de polícia e bombeiro no rol de preferências da miudagem que acorre em magotes aos cursos de carteiristas e afins. Todos sabemos que há por aí uma data de “profissões” que vão desde o Jotinha-cacique à menina-do-trottoir que nada ganham com a ciência dos livros porque vivem basicamente da ratice e experiência acumulada.
          Os candidatos a vigaristas devem imperativamente esquecer a escola e seguir à risca o curso de formação acelerada, trocando o cheiro do estrume da província pelo cheiro da cera da capital para encerar o cartão de filiação partidária que servirá de passe-partout para abrir a porta da universidade e do curso desejado, seguindo as pisadas dos seus ídolos já famosos-formados em gatunagem-especializada que facilmente são localizados mas raramente julgados e condenados.
          O problema para estes futuros amigos do alheio, é que a malta para além de outras vacinas, também já está vacinada com meia vida a trabalhar para o boneco, e começa a tê-los (no sítio) na mira prevendo-lhes para os próximos tempos perigosas tempestades na travessia do deserto, de onde só por milagre escaparão vivos para continuar a provocar tão devastadoras calamidades ambientais.
          É que isto de usar o povo como escadote para saltar para o outro lado da vida airosa acabou, os medíocres que ainda planeiam o projeto de vida nestas habilidades bacocas tem pela frente um futuro pouco promissor. O povo anda farto de ver a vida arruinada por causa desta sacanagem que um dia terá de acabar. Porém, penso que só quando a justiça começar a ler sentenças à vergastada pelas orelhas-abaixo é que estes maldiçoados perderão o vício de xuxar na xuxa e da roubalheira descarada que destrói o país.
          O último debate na assembleia da república sobre o estado da nação, foi de longe o mais elucidativo e sincero a que já assisti desde os longínquos tempos do 25 de abril. Até-que-enfim, os partidos do arco do poder redimiram-se e por milagre em vez de meter a mão no bolso da malta, meteram-na na consciência para se avaliar mutuamente perante o povo, dos tristes resultados de quarenta anos de democracia.
          Era difícil ser mais assertivos. O antigo governo comparou o atual com os sete pecados capitais. “A ganância e a preguiça”, com o desemprego e o aumento de impostos. “A gula e a inveja”, com a asfixia da classe média e as mentiras eleitorais etc. O atual governo comparou o “próximo” com as dez pragas do Egipto. “A peste que mata os animais e as rãs que cobrem a terra”, com os PEC da desgraça e as PPP. “Os piolhos que atormentam os homens e os primogénitos que morrem”, com os cortes nos salários da função pública e o endividamento, etc.
          Parece-me porém que estes pecados e pragas originais são brandos em comparação com os contrafeitos-gananciais que esta gente amaldiçoou o país.
Com estas milagrosas conversões da obra e graça do Espirito-Santo, falta saber se a malta não teria tudo a ganhar trocando o caminho das pedras pelo Sagrado-Caminho-da-Salvação fugindo deles como o diabo foge da cruz.
          Fico sempre de pé-atrás com católicos-da-treta que citam a bíblia sem saber benzer-se, cuja doutrina é de acreditar na força do capital que decreta o Paraíso no além para os pobres e no aquém para os ricos.
          Servem-se da Bíblia-Sagrada para passar a mensagem da promissão e da punição que seduz milhares de seres normais que tem contas a acertar com o todo-poderoso Pai-do-Céu e com a toda-poderosa Banca-da-Terra, usando as mensagens do Criador como arsenais de balizamento cultural e controlo social. Para esses católicos é o Deus-do-Capital que elege os dignos e os desgraçados da face divina e dos benificiários do leite e do mel.
          São estas pecadoras pragas que aclamam por uma poderosa televisão no lugar de uma poderosa religião, para não ter de ajoelhar e rezar em vez de investir na propaganda da narcodiversidade do haxixe e do canábis para cultivar o ópio-do-povo que acaba por entregar a carteira e a vida nas mãos destes quadrúpedes, pondo-se a jeito e à mercê dos coices desta democracia de políticos presos e ladrões, que advogam o despojamento das sandálias apostólicas acabando presos no ouro e no incenso dos seus compromissos falhados. Ataram uma corda ao pescoço de dignidade politica, agora que lhe rezem pela alma.
          Estes, discípulos com pés de barro que preferem ajoelhar perante a Goldman-Sachs para ganhar força e poder oferecer à cristandade a canonização do cristão “Cristiano”, o apóstolo da era moderna que vai a caminho dos altares pelas graças que derramou e milagres que operou ao transformar a irmã carpideira de funerais em cantadeira de tabernas e arraiais.
          Enfim: católicos profetas da desgraça com graça, verdadeiros empresários da opinião pública que nos chamam a depositar confiança e esperança na sua palavra e gestos de proximidade, envoltos em fraseados cativantes alinhavados de paroles para entreter parolos. O que pensamos desta gente é sobejamente conhecido, só faltava saber o que eles pensam de si próprios. Finalmente o que pensam não é diferente do que pensamos e foi magistralmente declarado na assembleia da república no último debate do estado da nação.
          PS para o PSD: “Tu és pior que os sete pecados capitais”. “A gula / ganância / luxúria / ira / inveja / preguiça / e soberba”.
          PSD para o PS: “E tu és pior que as pragas do Egipto”. “A água que se transforma em sangue / rãs que cobrem a terra / piolhos que atormentam os seres vivos / moscas que escurecem o ar / peste que mata os animais / pústulas que cobrem os homens / chuva de granizo destruidora / nuvens de gafanhotos / escuridão que tapa o sol três dias / e primogénitos que morrem”.
          São estas personagens que há quarenta anos transformaram a Lusitânia no “Khemed” do deserto e os Lusitanos nos “Beduínos” que pagam tudo inclusive a areia que tem debaixo dos pés. Finalmente somos uns  pilha-galinhas, bodes expiatórios destes pilha-fortunas cobertos pelo manto protetor do cordeiro de Deus que protege os “Oliveiras da Figueira” saídos das histórias do TinTin (antes de ir ver o sol) aos quadradinhos.
          Nós crucificados na cruz com estes ladrões, resta-nos rezar pela alma a proferir as últimas frases de Cristo pregado na cruz.“Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”.“ESTÁ CONSUMADO”.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

As valências da desgarrada

            03/09/20015

          Diz o povo (pelo menos por estas bandas) que, “a população menos acanhada é aquela que mais canta à desgarrada”, ao contrário dos copinhos não sei de quê, que não assobiam nem cantam, querem agradar a todos e desagradam a toda a gente, não falam, não escrevem, nem saem de cima, até parece que tem medo de morrer de fome se o dono lhes corta a palha da ração.
          Por isso sempre desconfiei das “virgens ofendidas” que em criança nunca atiraram uma pedrada aos vidros da janela do vizinho, que nunca desmontaram a corda do relógio-de-bolso do avô, que nunca colocaram pioneses na cadeira do padre e do professor, para não falar dos dias de aulas passadas aos grilos e às grilas em vez de ir aturar o mau-humor do professor que teve de jejuar e passar a noite a dormir no pátio da porta com o Bobby.
          Eu que sempre fui um gajo com requisitos e padrões de verticalidade-perpendicular-comportamental normalíssima nessas andanças, a quem nunca passou pela cabeça que existe uma idade-padrão para fazer asneiras, jurei que desta vez continuaria malhar o ferro, trocando as habituais fontes de informação para ir ver onde param as modas no meio do calor do povo como eu.
          Usei então o remanescente da inspiração para convencer a patroa de poder baldar-me à trela e curtir uma noitada de verão a solo nos festivais, arraias e demais materiais á solta que andam por aí. E se a noite não der para mais nada, pelo menos que dê para refrescar a mente e limpar a vista a contemplar os deslumbrantes pilares desses monumentos vivos verdadeiros patrimónios da humanidade.
          Benzi-me umas vinte vezes ao longo da viagem a pedir ao Criador para que tudo desse certo com a arriscada estratégia de ter reinventado o funeral de um amigo do Porto que Deus lá tem há meia dúzia de anos. A patroa achou bem, apadrinhou a atitude solidaria sublinhando que os amigos são para sempre. Preparou-me o fato que pendurou no cabide do banco traseiro do carro.
          Chegado à invicta, (terra do falecido) comecei por reconfortar o “dorido” no típico “Mal Cozinhado” com uns pastelinhos de bacalhau e arroz de feijão, sentado à mesinha redonda ali mesmo em frente ao pegão dos dois arcos em granito, a ouvir o encanto do fado vadio interpretado pela encantadora fadista Rosinda Maria, ela acompanhada à guitarra e eu à garrafinha de tinto do fundão fresquinha para me arrancar das unhas do inferno quotidiano e elevar-me até ao paraíso, pelo menos enquanto fazia a trasfega da garrafinha para o vasilhame e a Rosinda não dobrava o xaile para dar por terminada a sua atuação.
          Continuei a digressão paradisíaco na “Tendinha dos Clérigos”, farol vigilante das velhas faenas, para saborear mais três copas ao som de um saudoso e divinal “Rok-And-Roll” antes de iniciar o regresso na companhia de um jovem casal que pediu boleia até um lugarejo perdido perto de Vila-Verde.
          Já com as coordenadas todas a caminho da “Terra”, foi (ali) perto de Arcos-de Valdevez que fui atraído pelo toque da concertina e do cantar à desgarrada. Senti o fluxo sanguino acelerar com o pulsar do verdadeiro calor do povo de que gosto, ou não tivesse eu crescido a ouvir o “Delfim, o Marinho, o Sargaceira, o Cachadinha”, e a dar tareia-brava na avó (salvo-seja) a cantar à desgarrada à volta da lareira nas longas noites de inverno.
          Uma enorme multidão rodeava um grupo de artistas com três tocadores e outros tantos cantadores. Para não perder pitada do espetáculo subi as escadas da casa-da-mesa e sentei-me no pátio de pedra ao lado da senhora Rosqueira a quem pedi para me atar meia dúzia de roscas num cordelinho a fim de reequilibrar a queda do açúcar provocado pelo desgaste da longa viagem entre o além do Fado e do Rok-And-Roll, e o aquém da desgarrada e do açafate das roscas.
          Foi quase no tempo dos descontos que encontrei o que procurava nas sábias palavras da sabedoria popular. Num pedaço de toalha-de-papel gentilmente disponibilizada pela doce senhora anjo-da-guarda da minha glicemia que comecei a escrever esta cronica.
          Ao toque da concertina que até dava arrepios na espinha, entrava o primeiro cantador a desafiar o segundo e terceiro. Portugal está tão sombrio, por andar mal governado, por um governo vadio, que só rapa pró seu lado”. Respondia o segundo para o primeiro e terceiro. “Quem tem governos quem tem, governos de quem fiar, quem tem governos tem sorte, quem não os tem, tem azar”. O terceiro para o segundo e primeiro. “Com muitos que tu passeias, têm cuidado não te iludas, mostram-te boa figura, mas são falsos como Judas”. E assim continua a desgarrada. “É uma camaradagem, nos copos são tão fingidos, quando falta o dinheiro, também faltam os amigos”. “Ao recordar o passado, olhando agora o presente, como isto está mudado, com tanta coisa diferente”. “Dizem que é evolução, finalmente é uma miséria, há mais vigaristas e ladrões, do que gente humilde e séria”. “Meus amigos hoje-em-dia, há vários tipos de ladrões, uns roubam pouca valia, outros roubam aos milhões”. “O ladrão que é mal trapido, coitado rouba em segredo, mas o ladrão bem vestido, rouba à vista e sem medo”. “Há quem roube pra comer, já não tem outra opção, se rouba pra sobreviver, isso não é ser ladrão”. ”Ladrão é ter o poder, sem qualquer dedicação, quando rouba tem prazer, e faz disso profissão”. “Hoje em dia há ladroagem, em bandos e batalhões, sorriem noutra linguagem, com segundas intenções”. “Não temei os desgraçados, que roubam com certa lata, temei aqueles gatunos, de fato e de gravata”. ”Fui roubado fui roubado, protesta o povo na rua, quem houve fica assustado, e quem rouba continua”. ”E lá vão eles na vaga, a comer e passear, e aqueles que tudo pagam, só têm direito a reclamar”. ”Com tamanha epidemia, é preciso ter coragem, para enfrentar e sentir, a força da ladroagem”. ” Isto é um destrambelho, já nada nos reconforta, é sinal de alerta vermelho, com muitas trancas na porta”.
          Ainda estou a salivar com a última quadra de despedida cantada em coro pelos três magníficos artistas populares: “Foi em terras de Barroso, às cinco da madrugada, no coração de uma Aldeia, se cantou à desgarrada”.
          Já o sol ia alto com a gente sair da missa quando cheguei a casa, a patroa à minha espera com ar de quem quer passar a mão no pelo. “Olha-me só para isto, coitadinho tão triste e cansadinho de tanto chorar pelo amigo que em 2009 acompanhamos até à sua última morada no Cemitério do Prado do Repouso na freguesia do Bonfim: finalmente amigo que é amigo, mesmo sepultado é amigo para sempre”, concluiu.
          “Caíram-me ao chão”. Não me lembrava do eterno amigo, sem perder a compostura, ainda manietado com a corda toda da desgarrada, puxei dos galões e respondi-lhe em quadra para enquadrar este quadro mal encaixilhado: “Por tudo que já passei, já pouco ou nada me assusta, na próxima vez vais tu, para saberes quanto custa”.
          E eu a pensar que andava sozinho a pregar no deserto. É do Minho para o mundo que vai o exemplo: “a gente menos acanhada é a que mais canta à desgarrada”.
          Não vou perder mais tempo para fazer pele vida. “Pedro-Paulo e Costa, são os três da vigairada, se não trancamos as portas, comem tudo não deixam nada”. “São os três da vigairada, disso tenho a certeza, são pior que o Viagra, deixam toda a malta tesa”.