quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alto, parem o baile!

          (01/09/2000)
Sinto cada vez mais saudades dos teus monólogos, “Neca Rafael. Saudosista sem dúvida, mas com força suficiente para fazer ressuscitar um morto.
Ainda estou a ver-te na Eira dos Canastros, quando deixaste cair a vara no tocador e ordenaste:”Alto, parem o baile que apalparam os peitos á minha filha.
Hoje é tudo mais liberal, vira-se de casaca com mais facilidade, e no que toca a apalpansos, já nem as jóias de família estão a salvo. Cá na terra, machos e fêmeas seguem com frenética pedalada os critérios de convergência, estamos integrados na vanguarda no que toca a partos de menores e abortos clandestinos. Se a nossa economia fossa equiparável á nossa sexologia, ninguém nos arredaria do Plutão da frente. Uma pouca-vergonha Neca.
Até os casamentos de altar se fazem mais por decoração que por devoção: é um “private show” e um pretexto dos ricos para comparar o poder terral com o celestial. Os remediados para reafirmar a sua existência nas longas filas do paraíso, e os pobres para um pequeno buzinão, entre a introdução das alianças e demais introdutórias usanças.
Por cá a coisa anda bastante baralhada. O Jorge Sampaio vai ser reeleito, cumpriu displicentemente o mandato sem uma nesga de iniciativa, talvez hipnotizado pelo cheiro da rosa, dizem as más-línguas que anda em pré campanha á mais de um ano, sem ter anunciado a recandidatura. É com esta elegância toda que somos tratados cá na Terra, Neca.
O boletim Municipal, já vai na quarta edição, com meia dúzia de obras em meia dúzia de meses, com varias delas em várias Freguesias, e outras sem variedades nenhumas. Nos textos do Boletim só falta prometerem de levar os ceguinhos ao cinema, de resto não passa de um álbum de família “numerosa” no qual só falta fotografar os mandantes dentro da “casinha”- “naquele local solitário/ onde a vergonha se acaba/ onde todo o cobarde faz força / e onde todo o valente se caga”!
Inaugurou-se também o centro coordenador de transportes que foi construído no tempo em que se vivia de pão e laranjas, antes de passar a viver do cheiro de rosas artificiais por falta de jardineiros.
O quartel de Bombeiros está a crescer a bom ritmo, só falta pagar o terreno ao dono que o vendia por pouco mais de 20.000 contos, mas os mandantes acharam o negócio caro e vão ter de pagar agora perto de 80.000, o que até nem é caro: quem tiver 160.000 ainda fica com metade!..
As nossas termas continuam fechadas, a única actividade de realce que vi nas Caldas foi a vender febras e sardinhas assadas na festa das Comunidades: sabes Neca, do tipo “Pernetas” o taberneiro que tantas vezes nos matou a fome nas noitadas das romarias.
Há quem afirme a pés juntos que uns reguilas lá de cima querem promover as termas deles á custa das nossas, e por isso vão entretendo o nosso “Zé das passarelas” que mais parece a Cláudia Shifer a desfilar nas fiadas, espadeladas, festas e romarias, baptizados, bodas e funerais, enquanto a nossa economia vai evacuando direitinha para a “ETAR” do rio Minho que um dia (se deus quiser) será  construída.
Da Europa chegam milhões a rodos para distribuir pelos pobres cá da Terra, que continuam a mendigar e a encher a escadaria da Sr.ª da Peneda, que me deixa bastante baralhado.
Tu, que de cima vês isto de outra dimensão, diz-me se isto não te parece uma “Barrela”, daquelas que fazíamos ao Chapa-Lisa, aquele sujeito de maus fígados, sempre teso que só servia para fazer fretes, o sem vergonha que lavava a “ferramenta” com areia na margem do rio, e que em vez de cantar “água fresca da ribeira”, debitava verdadeiras rajadas de insultos, que até punham em causa a dignidade das nossas mães.
Por falar de rio, parece que vão construir uma barragem no rio Mouro. Uns senhores lá do sul, bem relacionados com os mandantes cá da terra, parece que estão a preparar-se para fazer-nos o favor do nos vender a nossa água.
Diz-me se consegues sintonizar a rádio local, para ouvir o programa de propaganda da Câmara, “Monção para os Monçanenses”, com cheiro a mofo do “Orgulhosamente sós”, não sei se os turistas se vão recordar do velho que “ditava” antes de cair da abençoada cadeira.
Acharás estranho de ter pensado em ti, é porque cá na Terra já todo mundo anda de cara à “Nca-Rafael”, só que ainda ninguém teve a tua coragem para deixar cair a vara nos “cantadores” e ordenar que parem o baile, porque apalpadelas ás claras já é coisa que não se usa.
Um abraço também para a Maria, até breve.

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