domingo, 29 de janeiro de 2012

“Nem só os gatos, caem de pé”

(15/01/2011)
Ao regressar da escola, pendurava a saca de lona no galho da figueira antes de subir na companhia do (reguila) meu gato, um mandrião que só queria comer, dormir e vagabundear. Certo dia, o valentão subiu tão alto que não conseguia regressar. O tio Bento que por ali passava, fincado num pau, logo me tranquilizou: os gatos caem sempre de pé. “Atirou o pau ao gato, mas o gato não morreu”, e em salto de parafuso caiu de pé em cima da saca, e dali para o chão apostos para nova aventura.
Não encontrei melhor caricatura para retratar a nova fórmula de ingresso dos candidatos à herança do tacho e à carteira dos contribuintes. Diz-se, quando a coisa cheira a mofo ou a trafulhice, que esta pratica é como entrar pela porta do cavalo: outros dizem que é, por baixo da capa, e ainda, por arte de berliques. Seja lá como for, a tal porta não tinha sentinela e os intrusos acabaram por entrar.
Vem isto a propósito de, (a ser verdade o que consta por aí) em dada altura de 2006, a Câmara ter lançado o concurso de concessão do ginásio e clube de saúde do complexo das piscinas municipais. Os concorrentes interessados, depois de terem analisado a documentação, concluíram que muito dificilmente poderiam cumprir, e para não entrar em sarilhos fugiram daquilo como o diabo foge da cruz. Mas, para espanto de todos, um deles, sem mais rodeios, de peito feito arrematou o negócio sem qualquer hesitação. Só que a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima: o diabo teve necessidade de puxar a manta para cobrir outras “aflições”, e descobriu então, o porquê de tanta valentia. É que o (tal) valentão não cumpria com nada, e nem as rendas pagava. Mas como “os amigos” são para as ocasiões, e neste caso o amigo é rico, (à custa do erário público) em vês de dar ordem de despejo e da penhora dos bens, decidiu premiar os incumpridores, e contrata-los: já que estes não se safavam na qualidade de patrões, safam-se agora na qualidade de funcionários com o tachinho garantido.
Custa-me acreditar que tudo isto tenha sido premeditado: não acredito em feiticeiras, mas que as há há. È que, em Julho de 2010, o assunto foi discutido (em reunião da Câmara) sem votação, como que para deitar o barro á parede a ver se a coisa pegava, tal como o namorado quando começa a apalpar a namorada: se não houver contestação continua a pesquisa. Neste caso a coisa foi de tal maneira consentida que em Outubro do mesmo ano o “acto” estava já consumado.
Perante tais malabarismos, resta-nos ser solidários com as centenas de candidatos (ao tacho) que vão ficando para traz, a murchar na fila de espera para cobrar o “servicinho”, prestado na última “campanha”. Mesmo sentados, não vão conseguir porque a coisa esta de tal maneira profissionalizada, que será mais fácil fotografar o ânus de um senegalês, no fundo de uma mina, às duas da manhã e sem flash, de que terem a mais pequena réstia de esperança de um dia lá chegar.
Poderá esta situação servir de lição para os jovens empresários cá do burgo, que andam certinhos, direitinhos, que com o fruto do seu trabalho cumprem com os seus funcionários, fornecedores e outros deveres, e ainda (sem fruto) mas com língua de palmo e meio (através dos impostos) tem que abastecer a manjedoura da concorrência que nos obriga a manter (vivos) elefantes brancos que com suas poderosas patas tudo esmagam e destroem em seu redor!
Portanto, se os jovens empresários pretenderem conseguir algo na vida, terão que dar nas vistas para atrair a simpatia dos angariadores e dos “olheiros” à procura de novos “valores”. É claro que terão de mandar o trabalho às malvas e seguir este programa de formação acelerada, que me dei ao trabalho de preparar, que garante um progresso fulminante na carreira. É sabido que (por estas bandas) a competência e a ciência dos livros, já há muito que estão ultrapassadoas e só conseguem singrar na vida os que vivem da experiencia acumulada na ratice. Em primeiro lugar, há que mudar radicalmente de vida. O candidato preferido, devera levantar-se depois das onze e deitar-se por volta das quatro de la matina. O período nocturno, é o mais rentável e vantajoso para fazer conhecimentos com os angariadores, os quais deverão ficar impressionados com a facilidade que é capaz de emborcar uma dúzia de bagaços, o que exige treino e persistência. Convêm cuidar da aparência: um cabelo seboso e cheiro a gato falecido, conferem aquele ar “gauche” que é indispensável ao sucesso no recrutamento. Se seguir esta formação á risca, pode estar descansado e certo de que já é um deles e o próximo a preencher a vaga sem ter de andar a lamber currículos, que nunca trazem nada a ninguém. Depois, basta seguir a manada dos Boys durante o horário laboral, que serão distribuídos, entre as piscinas e ginásio para engrossar a lista de clientes e para (ir bulindo alguma coisinha e) não correr o risco de enferrujar.
Voltando ao assunto, e visto isto à primeira e à segunda, não consigo encontrar nenhuma transparência, nenhuma moralidade, nenhuma ética nem legalidade: mas isto é tão só a opinião de um “freguês” abaixo de segunda que espera que os sete “magníficos” que tomam estas decisões, que são formados em tudo “e mais alguma coisa”, não se tenham enganado.
Num país, praticamente falido, com famílias a ficar sem casa, sem emprego, sem alimentação e empresas a desmoronar, é triste ver gente desta que passa vida a pavonear, ofuscada pelo brilho do bâton em vês do betão para trabalhar e alicerçar, que não encontram outro destino mais nobre para dar aos dinheiros públicos, senão o gasta-lo a premiar a mediocridade que nem trabalha nem deixam trabalhar.
O leitor, deverá meditar no que acabou de ler. Imagine ver o beneficiário dos seus impostos a abrir uma porta ao lado do seu comércio, para oferecer o mesmo serviço sem qualquer despesa, numa concorrência pirata e desleal que o obriga a si, a suportar as suas despesas e as dele. Fica a pergunta?
É bem verdade. Quando o chefe pode fazer o que quer, corre sempre o risco de que queira o que não deve querer.

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